Vipassana
Como ensinada por S. N. Goenka
Meditação
na tradição de Sayagyi U Ba Khin
Palestra Dia Dois
Definição universal de pecado e piedade-O Nobre Caminho Óctuplo: sīla e samādhi
O segundo dia terminou. Apesar de ter sido um pouco melhor do que o primeiro, dificuldades ainda existem. A mente é tão ativa, agitada, selvagem; como um touro ou um elefante selvagem, que provoca o caos quando entra na casa de um ser humano. Se alguém, dotado de sabedoria, conseguir domesticar e treinar o animal selvagem, toda a sua força, que vinha sendo usada de forma destrutiva, poderá, então, ser usada para fins construtivos, em benefício da sociedade. O mesmo pode ser feito com a mente, que é bem mais poderosa e perigosa do que um elefante selvagem, e deve ser domesticada e treinada. Então, aquela enorme força começará a servi-lo. Para tanto, você deve trabalhar com muita paciência, persistência e continuamente. A continuidade da prática é o segredo do sucesso.
Você precisa fazer o trabalho. Ninguém mais pode fazer isso por você. Com todo amor e com toda compaixão, um iluminado mostra como trabalhar, mas ele não pode carregar ninguém em seus ombros até o objetivo final. Você deve dar os passos por si próprio, lutar sua própria batalha, trabalhar pela sua própria salvação. É claro que, tão logo comece a trabalhar, receberá apoio de todas as forças do Dhamma, mas, ainda assim, terá de trabalhar por conta própria. Precisa percorerr o caminho todo com as próprias pernas.
Compreenda qual é o caminho que começou a trilhar. O Buda o descreveu em termos muito simples:
Abster-se de qualquer ação pecaminosa, insalubre,
praticar unicamente ações piedosas saudáveis,
purificar a mente;
este é o ensinamento dos iluminados.
Este é um caminho universal, aceitável por pessoas de todos os estratos sociais, raças ou países. Mas, surgem problemas quando se tenta definir pecado e piedade. Quando a essência de Dhamma se perde, vira uma seita e, então, cada seita define piedade a seu modo. Tal como: ter uma aparência externa específica, realizar certos rituais ou aderir a certas crenças. Todas são definições sectárias, aceitas por uns e recusadas por outros. Entretanto, Dhamma dá uma definição universal de pecado e de piedade. Qualquer ação que prejudique os outros, que perturbe a sua paz e a sua harmonia, é pecaminosa, nociva. Qualquer ação que beneficie os outros, que contribua para a sua paz e a sua harmonia, é piedosa, saudável. Esta é uma definição que está de acordo não com um dogma qualquer mas com a lei da natureza. E, de acordo com a lei da natureza, ninguém pode realizar uma ação que prejudique os outros sem, primeiro, gerar uma contaminação em sua mente –– raiva, medo, ódio, etc. ––; e sempre que alguém gerar uma impureza mental, tornar-se-á infeliz, experimentará o sofrimento do inferno dentro de si próprio. Da mesma forma, ninguém pode cometer uma ação que beneficie outros sem primeiro gerar amor, compaixão e boa vontade. E, tão logo comecemos a desenvolver tais qualidades mentais puras, começaremos também a desfrutar de paz celestial no nosso interior. Quando você ajuda os outros, ajuda, ao mesmo tempo, a si próprio. Quando você prejudica os outros, ao mesmo tempo faz mal a si próprio. Isso é Dhamma, verdade, lei –– a lei universal da natureza.
O caminho de Dhamma é dito o Nobre Caminho Óctuplo, nobre no sentido de que quem quer que o trilhe irá tornar-se, indubitavelente, uma pessoa de coração nobre, uma pessoa santa. O caminho está dividido em três partes: sīla, samādhi e
Sammā-vācā––Linguagem correta, pureza na ação verbal. Para compreender o que é pureza de linguagem, é preciso conhecer o que é impureza de linguagem. Dizer mentiras para enganar os outros, usar palavras rudes que magoam os outros, difamar e caluniar, conversas fúteis são todas impurezas da ação verbal. Quando a pessoa se abstêm do uso delas, o que resta é a fala correta.
(2)Sammā-kammanta-Ação correta, pureza na ação física. Na trilha de Dhamma só existe uma medida para se avaliar a pureza ou a impureza de uma ação, seja física, verbal ou mental, e essa medida consiste em verificar se a ação ajuda ou prejudica os outros. Assim, matar, roubar, cometer estupro ou adultério, intoxicarmo-nos a ponto de perder a noção do que estamos fazendo, são todas ações que prejudicam os outros e também a si próprio. Quando nos abstemos dessas ações físicas impuras, o que resta são as ações corretas.
(3)Sammā-ājīvā--3) Sammā-ājiva–– Meio de vida correto. Cada pessoa precisa ter como sustentara si própria e aos que dela dependem, mas, se a sua fonte de renda for prejudicial aos outros, então, não será um meio de vida correto. Talvez, não cometamos ações incorretas na nossa forma de viver, mas encorajemos outros a assim fazê-lo. Se assim for, não estaremos praticando o modo de vida correto. Por exemplo, vender bebidas alcoólicas, operar uma casa de jogo, negociar armas, vender animais vivos ou carne de animais; nenhuma dessas atividades seria o meio de vida correto. Mesmo na profissão mais elevada, se a motivação for simplesmente explorar os outros, não estará praticando um meio correto de viver. Se a motivação for a de desempenhar a sua função como membro da sociedade, contribuir com as suas capacidades e esforços para o bem geral, tendo por retorno uma remuneração justa com a qual nos mantemos a nós próprios e aos nossos dependentes, nesse caso, estaremos praticando um modo de viver correto.
Um chefe de família, um leigo, precisa de dinheiro para seu próprio sustento. O perigo acontece quando ganhar dinheiro se torna um pretexto para inflar o ego: procuramos acumular o máximo que pudermos para nós mesmos e menosprezamos aqueles que ganham menos do que nós. Tal atitude causa dano aos outros e a nós próprios porque, quanto mais forte o ego, mais longe estaremos de ser livres. Por conseguinte, um dos aspectos essenciais do viver correto é ser caridoso: partilhar com os outros os nossos ganhos. Assim, ganhamos não só em nosso próprio benefício, mas, também, em benefício dos outros.
Se Dhamma consistisse meramente de exortações às pessoas para se absterem de ações que prejudicam os outros, então, não teria efeito. Intelectualmente, podemos entender os perigosque advêm da prática de ações incorretas e os benefícios da prática das corretas, ou, podemos aceitar a importância de sīla por devoção a quem a prega. Mesmo assim, continuaremos a praticar ações incorretas porque não temos controle sobre a mente. Por isso, a segunda divisão de Dhamma, samādhi –– desenvolver domínio sobre nossa própria mente. Dentro dessa divisão, encontram-se outras três partes do Nobre Caminho Óctuplo.
4)Sammavayama–– Esforço correto, exercício correto. Pela sua prática, pôde ver como a mente é fraca e instável, oscilando sempre de um objeto para outro. Tal mente requer exercício para se fortalecer. Há quatro exercícios para fortalecer a mente: remover dela todas as qualidades nocivas que tenha; fechá-la a qualquer qualidade prejudicial que não tenha; preservar e multiplicar todas as qualidades saudáveis que estão presentes na mente e abri-la para todas as qualidades que estejam em falta. Indiretamente, pela prática da consciência da respiraçõ (Anapana, você começou a colocar em prática esses exercícios.
5) Sammā-sati Atenção correta, consciência da realidade do momento presente. Do passado, só se pode ter memórias; quanto ao futuro, só pode haver aspirações, medos, imaginações. Você começou a praticar sammā-sati treinando a si próprio para permanecer atento, seja qual for a realidade que se manifestar no presente momento, dentro da área limitada das narinas. Você deve desenvolver a habilidade de permanecer consciente da realidade toda, do nível mais grosseiro ao mais sutil. Para começar, você prestou atenção à respiração natural, suave e, depois, ao toque da respiração. Agora, trabalhará com um objeto de atenção ainda mais sutil: as sensações físicas naturais dentro dessa área limitada. Pode sentir a temperatura da respiração. Ligeiramente fria quando entra, ligeiramente morna quando sair do corpo. Para além dessas, há numerosas sensações não relacionadas com a respiração: calor, frio, coceira, pulsações, vibrações, pressão, tensão, dor, etc. Você não pode escolher qual a sensação porque não pode criar sensações. Simplesmente observe: apenas permaneça atento. O nome da sensação não é importante: o que é importante é estar consciente da realidade da sensação, sem reagir.
Como viu, o padrão habitual da mente é estar sempre divagando no futuro ou no passado, gerando desejo ou aversão. Pela prática da atenção correta, você começou a quebrar este hábito. Não quer dizer que, após este curso, esquecerá o passado por completo e não terá qualquer pensamento sobre o futuro. Mas, de fato, você estava habituado a desperdiçar sua energia divagando, sem necessidade, no passado ou no futuro, de tal maneira que, quando fosse preciso se lembrar ou planejar alguma coisa, não conseguir fazê-o. Desenvolvendo sammā-sati, aprenderá a fixar sua mente com mais firmeza na realidade presente, concluirá que pode relembrar o passado com facilidade quando necessário e será capaz de tomar providências acertadas para o futuro. Estará ao seu alcance levar uma vida feliz e saudável.
(6)Sammā-samādhi––Concentração correta. Mera concentração não é o objetivo desta técnica; a concentração que desenvolve deve ter uma base de pureza. Com uma base de avidez, de aversão ou de ilusão, podemos concentrar a mente, mas isso não é sammā-samādhi. É preciso estar consciente da realidade presente dentro de nós mesmos, sem qualquer desejo ou aversão. Sustentando esta consciência, continuamente, a cada momento ––isso é sammā-samādhi
Seguindo escrupulosamente os cinco preceitos, você começou a praticar sīla. Treinando a mente a permanecer focalizada em um ponto, o objeto real do momento presente, sem avidez ou aversão, começou a desenvolver samādhi. Agora, continue a trabalhar diligentemente, afiando a mente, para que, quando começar a praticar pañña seja capaz de penetrar nas profundezas do inconscinete para erradicar todas as impurezas lá escondidas e desfrutar da verdadeira felicidade –– a felicidade da libertação.
Verdadeira felicidade para todos vocês.